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Um recomeço

Nuno Miguel Guedes, no Hoje Macau (21 Abril 2021)

«Sentado num canto estratégico, lugar ideal para o caçador do quotidiano, observo. E o que vejo é o que faz a diferença: há movimento, sorrisos debaixo das máscaras, olhos ardentes. Há conversas sobrepostas que chegam a sufocar a vozearia do mundo que é debitada pela televisão. Olhando esta gente, olhando-me a mim, lembro de forma pouco modesta um verso que escrevi e que tive a sorte de o ouvir cantado: “Cada fim é um recomeço”. Porque é de recomeço que se estão a construir estas primeiras horas de liberdade relativa.
É um dia de regresso e Deus sabe como eu gosto de regressos. Cada cliente deste pequeno café de bairro é um Ulisses do dia a dia, cansado de uma longa viagem por mapas desconhecidos e territórios inseguros. Aportam a este lugar com histórias fantásticas para contar e preparados para outras que ainda nem começaram. Percebo. Sou um deles, quero ser um deles. O meu telefone volta à vida com planos de trabalho, convites vários para toda a espécie de reencontros. O pastel de nata que devoro tem o sabor da madalena de Proust.»

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