Biotope

Se quisermos compreender a história da imagem que o homem faz do mundo, poderíamos colocar lado a lado a enciclopédia de Honorius d’Autun, De Imago Mundi (1110) e Biotope de João Tabarra (2015), pois ambos reivindicam um olhar ao espelho sobre o mundo (como o relembra a imagem « Miroirs Grotte » de João Tabarra). Às tradicionais sete artes liberais, Honorius d’Autun junta duas outras: uma nona, a mecânica, e uma oitava, «a física, onde Hipócrates ensina aos peregrinos as virtudes e a natureza das ervas, das árvores, dos minerais, dos animais». Tal como Honorius escreveu dois livros de Cosmografia, uma cosmografia celeste e uma terrestre, também Tabarra faz encadear Discrépant, a sua cosmografia íntima que criava uma galáxia com base em elementos orgânicos humanos transformados em estrelas, planetas e buracos negros, a Biotope, a sua cosmografia telúrica. Mas se o teólogo medieval percorria territórios lógicos, organizando o seu mundo em arquipélagos de categorias e grupos (por exemplo, de um lado os «animais terrestres ferozes», Livro i, 12, do outro
lado os «animais marinhos», Livro i, 56), preservando as hibridizações e excepções no seio de cada território, já João Tabarra, inversamente, visa um mundo que se solta de toda a geografia para se tornar num plano de reflexão biopolítica: «… a minha animalidade, a minha gravidade e equilíbrio… nesta viagem o que eu pretendo mostrar não é o processo mas os resultados que nos confrontam com todas as dimensões do falhanço e nos convidam para um espaço em que as discussões podem acontecer, um espaço político e ético sem representações geográficas, como um planeta com fronteiras fragmentadas… não, como uma possibilidade histórica em
movimento.»
Nicole Brenez, no ensaio de abertura