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A ética e o monstro

Paulo José Miranda no Hoje Macau (2 Fevereiro 2021)

«Jordan traça uma relação de similaridade entre a ética e o medo da pena jurídica ou até a pena social, isto é o modo como os outros nos passariam a ver se descobrissem o que fizemos, com a Bela e o Monstro. Depois de introduzir o problema que o traz, no início do livro, Jordan vê necessário fazer uma pequena síntese do livro Bela e o Monstro, de modo a preparar a sua análise. A versão que Jonathan Jordan segue é a segunda e a mais conhecida versão, de 1756, de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, e não a versão original, de 1740, de Gabrielle-Suzanne Barbot. Assim, e depois de explicar a relação entre o conto de fadas e o propósito do seu ensaio, Jordan passa a mostrar-nos o resumo que lhe interessa do livro do século XVIII: «O livro narra a história de um comerciante muito rico que tinha três filhas. A mais nova chamava-se Bela, gostava de ler bons livros e tratava bem todas as pessoas. As irmãs mais velhas eram arrogantes, tratavam todas as pessoas com sobranceria, diziam mal de todos os que julgavam inferiores ou não fizessem parte dos seus círculos – muitas vezes até mal dos seus pares –, para além de só pensarem em festas e em serem aduladas por admiradores. Devido ao seu interesse pelos livros, pela sua generosidade e pela completa falta de interesse nas questões mundanas, as irmãs humilhavam frequentemente Bela, principalmente depois da falência do pai, e de terem sido obrigadas a viver numa casa no campo, muito longe da cidade. Aqui, só Bela trabalhava. Era a primeira a acordar e cuidava da casa. Nos tempos livres, lia. Passado um ano, por questões de negócios, o pai teve de partir em viagem. Quando o viram partir, e prevendo voltarem aos dias faustos de antigamente, as filhas mais velhas pediram-lhe muitas coisas; Bela pediu apenas que o pai lhe trouxesse uma rosa. O comerciante partiu. No regresso perdeu-se e perdeu as mercadorias. O inverno chegou.
Durante um enorme nevão, já pensando que ia morrer de frio e fome, avista ao longe umas luzes. Ao chegar perto, deparou-se com um castelo com lindos jardins floridos, como se ali nunca houvesse inverno. Lá dentro, numa das salas, estava uma mesa cheia de comida e uma lareira acesa. Comeu, deitou–se próximo do lume e acabou por adormecer. No dia seguinte acordou e foi ao jardim colher uma rosa para a sua filha Bela. Nesse momento, um grande e horrível monstro irrompe furioso. Perdoava-lhe o abuso da comida e da dormida, mas não lhe admitia o roubo das rosas. Isso era inadmissível e deveria ser punido com a morte. Cheio de medo, o comerciante explicou que era para a sua filha mais nova. Disse que tinha perdido tudo e a rosa era a única coisa que lhe podia dar. Ao saber das filhas, o monstro propôs trocar a vida dele por uma das filhas. Deixava-o partir se ele lhe enviasse uma das filhas para o castelo. Ao chegar a casa, o comerciante conta o sucedido às filhas e Bela aceita ser entregue ao monstro, julgando que ele a devoraria. O resto do livro não importa para a nossa análise. O que importa é a relação entre Bela, as irmãs e o monstro.»

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