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O factor Lupicínio

Nuno Miguel Guedes no Hoje Macau (30 Junho 2021)

«Não vou mentir: já não é a primeira vez nem será a última que me sirvo das palavras para tentar traduzir este fascínio que o falhanço e o perdedor tem sobre este que vos escreve. Muitas vezes nem precisei de pretexto, a coisa saiu naturalmente porque convive comigo desde que me conheço. Desta vez, porém, aproveitei a boleia de um pequeno-grande espectáculo feito por três amigos – os poetas Júlia Zuza e Viton Araújo e a cantoríssima-cumplicíssima Luanda Cozetti – e o qual se intitula, sem medo, “Dor de Cotovelo”.

O conteúdo vai buscar letras e poemas da música popular brasileira que tratam do destino de quem fica a chorar sozinho no fundo do balcão, feito sem preconceitos de gosto ou género musical – apenas o tema interessava e interessou para quem assistiu. Celebrar a dor com alegria enquanto se canta e bebe uma caipirinha é possível e desejável. Eu próprio, que acalento uns planos secretos para algo muito semelhante há alguns anos fiquei finalmente a perceber o caminho. E quando voltarem, quem puder não perca.

Só que no meio de tantos autores de canções há alguém que se agiganta de forma irremediável nestas funções. Aqui, como na vida, venceu o factor Lupicínio. O leitor desconhece o grande Lupicínio Rodrigues? O leitor faz mal mas estou aqui para ajudar.

Fiquem comigo, então. O falhanço amoroso pode ser uma coisa boa. Na maior parte das vezes, é. E não falo de lições de vida mas de oportunidades de auto-conhecimento. De reconhecimento, até. Como dizia Vinicius, «Ai de quem não rasga um coração/ Esse não vai ter perdão».

Nesse aspecto, urge conhecer Lupicínio Rodrigues. Ele é nosso cúmplice. Ele é nosso parceiro. Ele é nosso camarada de armas, o que se rende ao nosso lado e que depois da rendição continua a sonhar com a batalha. No amor, Lupicínio é um tirocínio.

As suas canções são hinos, gloriosos na sua ostentação da modéstia e sumptuosos na singeleza dos afectos: há raiva, há ciúme, há sacanice, há abandono. A força destes sentimentos em bruto abalam-nos porque crescemos a evitá-los.»

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