Valério Romão, no Hoje Macau (29 Janeiro 2021)
«Eu lembro-me de dar conta, há meia dúzia de anos, de que o canal National Geographic – antes uma coisa razoavelmente soporífera a que se assistia em família, no domingo à tarde, depois de almoço – passara a ser uma espécie de sucedâneo, em registo vida animal, dos piores filmes de acção de Hollywood. “The solitary lion will be confronted with its worst nightmare in just a couple of hours. Its archenemy, the hyena, is after him and packs a powerful bite, one of the most powerful in the predator world. Let’s compare stats and so we can forecast the outcome of this epic battle!”
Nada disto – deste tom entre o comentário de wrestling e o filme de acção – me interessa. Nem percebo que possa interessar a alguém. A vantagem que eu via nos programas sobre a natureza – além da contemplação na segurança do sofá daquilo que é exótico – era a de oferecem um contraponto em termos de formato e de estilo para a restante programação televisiva. Outrora, cada programa tinha um registo muito próprio. Era impossível confundir o 70 x 7 com a Tieta do agreste ou o Telejornal com o Big Show Sic. Era uma das coisas que apreciava na televisão – enquanto apreciei televisão – havia conteúdos para – mais ou menos – todos os gostos. Lembro-me bem de assistir ao Monty Python Flying Circus na RTP2, já muito a desoras, ou ao Northen Exposure, ou ao Hill Street Blues. A televisão de agora – e posso estar a ser tremendamente injusto nesta generalização, tendo em conta o pouco a que assisto – parece mais ou menos toda criada pela mesma cabeça tentando parecer, em cada um dos seus ângulos, uma coisa diferente. É tudo confrangedoramente épico – tudo o que é e tudo o que não é. Faz lembrar o Manuel Alegre a ler uma ementa de um restaurante armado em cama de espargos.»