Carlos Morais José, no Hoje Macau (26 Janeiro 2021)
«E os bárbaros aos pouco foram ocupando as ruas, as praças, as mentes das gentes simples. E mesmo de outros que, mais finos, rapidamente perceberam que seria melhor converterem-se ao barbarismo pois sempre haviam sonhado ser carrascos de alguém, ainda que esse alguém fosse a sua mãe, o seu primo, o seu vizinho ou mesmo o amor da sua vida.
As mulheres sonhavam que os bárbaros as arrebatassem nos seus cavalos de aço e as transportassem para castelos de pesadelo, mas ainda assim castelos e não as vivendas de tédio que os seus homens haviam construído nos arredores da cidade.
Contudo, na praça, nós, firmemente sentados, ainda esperávamos os bárbaros sem compreendermos que eles já estavam no meio de nós, e discutíamos o que haveríamos de fazer se um dia eles pretendessem invadir-nos a cidade e apoderar-se da praça onde permanecíamos sentados, sem saber como realmente rir ou como realmente chorar.
Era como se precisássemos da ideia dos bárbaros para fingir que podíamos ainda sentir coisas como a indignação ou a vergonha.»