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O eu entre palco e plateia

João Paulo Cotrim, no Hoje Macau (21 Julho 2021)

Escola de escritas, Algures, sábado, 17 Julho

Na véspera insistia em saboroso almoço, no qual se tratou de cansaços interiores e despolíticas externas, além de dedos e anéis, que as comunidades de leitura me parecem cruciais na promoção de leitura, algures entre a suave entrada e o elegante digestivo. Também por implicarem os leitores nas suas leituras. Quantos livros esconde um livro? Este Clama (Clube de Leitura Abençoados Malditos) dificilmente podia ter começado melhor com «Os Meus Oscar Wilde», de André Gide (ed. Sistema Solar), mas que, no fundo, pertence ao tradutor, Aníbal Fernandes. Os dois In Memoriam são enquadrados por pré, inter e pós-fácios, os quais, naquilo que convocam, são moldura pintada a participar na composição e expressividade da grande imagem. A vida, saravah, é a arte do encontro. E talvez a arte não seja menos a vida dos encontros. Estamos perante um triângulo de bons e produtivos malditos, ficando por ora, Pierre Louÿs na plateia assombrada pela encenação brutal de Wilde e Gide. A morte de um suscita no outro o registo definitivo do momento em que a alegria lhe foi revelada, em que começou a viver. Quando o coração antes apenas tomado pelo desejo abria para a luz de outros afectos. Sexo e amor eram dicotomias afastadas, e foi pela escrita que Gide tentou coser tal ferida. Assim como a usou para perseguir a alegria (nota para o futuro: voltar às páginas que busca esse pólo). No segundo e mais breve texto, o amargor insinua-se e a avaliação enegrece, mergulha em cinzas. A realidade cobrou com sangue ao devir em cena de Wilde. Entre um e outro texto, há excertos do processo em tribunal, dolorosa e bem-humorada peça de teatro onde a lei procura no miolo das palavras os sempiternos medos: o sexo desregrado, a corrupção da juventude, a ociosidade, o prazer, a alegria, enfim, o desafio ao deus posto em religião. O livrinho acaba sendo, ele mesmo, introdução a lugares e caminhos dos ditos malditos: a escrita tornada bússola do eu, aquele pensar com o corpo e a partir dele, o esforço para tornar indistinta vida e arte, cabal maneira de viver uma e outra. Vede com Louÿs, também em prefácio a «Afrodite» (ed. Círculo de Leitores), como fazê-lo: «É que a sensualidade é a condição misteriosa, mas necessária e criadora, do desenvolvimento intelectual. Aqueles que nunca sentiram até ao limite, para as amar ou para as maldizer, as exigências da carne, são por isso mesmo incapazes de compreender toda a extensão das exigências do espírito. Assim como a beleza da alma ilumina o rosto, também a virilidade do corpo fecunda o cérebro.”

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