Valério Romão, no Hoje Macau (13 Agosto 2021)
«Em criança abominava o cheiro a cigarros e como nos anos oitenta, em França, já se faziam algumas campanhas antitabagismo, eu, tentando juntar o útil ao agradável, massacrava o meu pai até ao ponto de ele preferir fumar no alpendre, ao frio e à chuva. Quando trazia uns amigos para casa, nada a fazer: juntavam-se na sala e dali só saiam quando tivessem prodigalizado o mais perfeito nevoeiro dickensiano.
Eu afirmava, naturalmente, que nunca fumaria um cigarro na vida. Como todas as crianças, tinha absoluta confiança nas minhas convicções. Fumar era coisa de velhos. Um hábito pouco salutar adquirido na errância e na pobreza. O meu pai começou a fumar muito cedo. Nunca lhe foi dito que os cigarros o iriam matar – como o fizeram. Fumar estava na moda. Era – senão saudável – perfeitamente inofensivo. As pessoas fumavam em todo o lado. As celebridades fumavam. Se o tabaco fizesse mal, elas não o fariam. A lógica era inatacável.
Comecei a fumar com quinze anos. Roubava tabaco ao meu pai, à noite, e fumava na escola. Toda a gente que aspirava a não ser olimpicamente ignorada fumava. E, nas matinés de domingo à tarde, bebia. Eu não gostava de beber. Não gostava do sabor da cerveja. Não conseguia perceber como é que alguém podia suportar aquele sabor só para, passado apenas meia hora, rir-se do ziguezaguear de uma mosca para, no momento seguinte, descambar num choro freudiano. Eu pedia uma imperial e ficava ali hora e meia a fingir beberricá-la. Quando tinha sede, ia à casa de banho beber água da torneira.»