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A personagem (continuação)

Paulo José Miranda, no Hoje Macau (20 Maio 2021)

«Leia-se essa passagem do livro: «Abib Justus responde assim a uma pergunta do apresentador acerca de uma possível interpretação ditatorial desta lei: // – Não podemos ser hipócritas! Ou bem que queremos que não se use o celular quando dirigimos, ou bem que não queremos mas fingimos querer, que é o que a lei nacional propõe, pois todos aqui sabem que ninguém cumpre a lei. Com o «descelular» torna-se impossível desrespeitar a lei… Olhe, vou dar-lhe mais um exemplo que deveríamos adotar: hoje a lei não permite que se ultrapasse uma velocidade máxima de 120 km/h, certo? Então porque permite que sejam vendidos carros que atingem 200 e 300 km/h? Deveríamos exigir que todos os carros não ultrapassassem os 120 km/h! Ou então jogue-se a lei no lixo. Carros com mais cilindrada deveriam ser vendidos para uso exclusivo em pistas de corrida, mais nada. // Como grande retórico que era, Abib Justus sabia que toda e qualquer polémica traria dividendos ao seu império, como ele próprio gostava de chamar em privado a este grupo financeiro. A questão de os carros serem vendidos como motores que não permitissem uma velocidade superior a 120 km/h fez furor por todo o Brasil. É impressionante ver como facilmente as pessoas se dividem acerca de coisas que desconhecem e das quais nunca sequer ouviram falar. Um pouco por todos os jornais e redes sociais a discussão rebentou. Dos carros com controlo de cilindrada até à proibição de venda de refrigerantes, que se sabe serem prejudiciais à saúde, ou de alimentos chamados de junk food, foi um salto. A esquerda, a direita, os ecologistas, os vegetarianos e os defensores dos direitos dos animais enchiam páginas e páginas online exigindo que o governo federal tomasse a posição do estado do Paraná, com a diferença de radicalizar a posição de controlo sobre o que nos faz bem, e cada qual com sua razão e interpretação, como é comum por aqui em matéria de política. Não demorou mais de um mês para haver manifestações em Brasília pressionando o governo a proibir a venda de refrigerantes, de bebidas alcoólicas, de “junk food” e até de carne animal. Havia já quem exigisse que Abib Justus tinha o dever de se candidatar à presidência do Brasil, em nome dos brasileiros que estão fartos de hipocrisia. É sabido que os tempos de crise são pródigos em forjar heróis e posturas radicais.»»

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