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A linguagem esquecida dos móveis

João Paulo Cotrim, no Hoje Macau (10 Fevereiro 2021)

«Ao que parece, existe em papel e tudo a versão polaca de «Salazar, Agora na hora da sua morte», novela de sombras e fogos-fátuos que compus com o querido Miguel [Rocha], de quem tenho imensas saudades, avivadas agora com estes trânsitos. Ninguém como ele extrai dos cardos matéria de nos encher de alegria. O objecto, que atravessa uma Europa a passo de caracol, está a ter fortuna crítica, dizem. A ponto de suscitar viagens que parecem o horizonte: quanto mais nos aproximamos, mais elas se afastam. O que chegou, entretanto, foi a altura de reeditarmos esta ida com volta ao esqueleto do armário, isto é, às ossadas do fantasma que se imaginou nação. Pensou-se encarnação de país, mas estava só com a sua arrumadinha esterilidade. Aquela nossa visão encheu-se de cadeiras de todas as formas e feitios. O poder não conhece descanso, apenas desânimo.»

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Conta-fios

«Não sei bem o que pensar sobre o assunto. O encontro do editor com o autor começa sempre por um texto, mas a expectativa está em que o autor entre nesta casa para a habitar. «Nós não somos do século d’inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século d’inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.»
Custa-me trazer para o assunto a palavra trabalho, uma palavralha, mas disso se trata, além dos textos e das suas potencialidades, interessam-me trabalhar com autores para nasçam criações que seriam diferentes sem esse encontro. Daqui mais se poderia desdobrar, assim escadote extensível. Nisto me afasto dos caçadores de tesouros que por aí proliferam. Terão o seu lugar no ecossistema literário, claro, mas procuro outras madrugadas. Uma inesgotável produtividade somada à ânsia de ver papel impresso, faz com que as gavetas transbordem para todas as chancelas e mais uma. Na poesia não há lugares, está visto. E um logótipo pouco mais é. Enfim, o Herberto sofreu ao ler nas suas capas Porto Editora na vez de Assírio & Alvim, mas o homem era excepção. O mais curioso, digamos à falta de melhor palavra, acontece quando a justificação assenta no facto de a abysmo ser editora de casos difíceis.
Aqui te deixo este objecto desafiante, mas vou ali publicar o habitual. Depósito de complicações, não me parece mal como apresentação. Não sei bem o que pensar, mas tomo nota da perturbação que estes trânsitos me causam.
Talvez seja natural, por estes dias de fragmento e ruína, atirar tijolos o mais depressa possível a quantas janelas se possa.»

João Paulo Cotrim, no Hoje Macau (20 Janeiro 2021)

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