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Da discrição

Valério Romão no Hoje Macau (31 Agosto 2021)

«Como todos os portugueses que visitam o Brasil pela primeira vez, eu ia carregadinho de preconceitos e de medo. A América do Sul é geralmente bastante mais violenta do que Portugal. Uma pessoa que veja um par de documentários sobre o Rio de Janeiro fica imediatamente em alerta. Os meus amigos brasileiros, em chegando a Lisboa, levavam umas boas três semanas a perder os hábitos de segurança do Rio. Queria muito conhecer «a cidade maravilhosa», mas ia cheio de miúfa.

Levei roupa velha, discreta. Uns calções horríveis que nunca uso a não ser nas poucas vezes que vou à praia. Umas t-shirts rotas para as quais ninguém olharia duas vezes. Umas sapatilhas de boca aberta para calçar à noite e umas havaianas para usar de dia. Nota: eu odeio chinelos e calções de qualquer espécie. Custa-me disfarçar o desprezo e o asco que sinto quando os meus amigos aparecerem nesses preparos. Um homem não usa chinelos e/ou calções. É indigno.»

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A personagem (continuação)

Paulo José Miranda, no Hoje Macau (20 Maio 2021)

«Leia-se essa passagem do livro: «Abib Justus responde assim a uma pergunta do apresentador acerca de uma possível interpretação ditatorial desta lei: // – Não podemos ser hipócritas! Ou bem que queremos que não se use o celular quando dirigimos, ou bem que não queremos mas fingimos querer, que é o que a lei nacional propõe, pois todos aqui sabem que ninguém cumpre a lei. Com o «descelular» torna-se impossível desrespeitar a lei… Olhe, vou dar-lhe mais um exemplo que deveríamos adotar: hoje a lei não permite que se ultrapasse uma velocidade máxima de 120 km/h, certo? Então porque permite que sejam vendidos carros que atingem 200 e 300 km/h? Deveríamos exigir que todos os carros não ultrapassassem os 120 km/h! Ou então jogue-se a lei no lixo. Carros com mais cilindrada deveriam ser vendidos para uso exclusivo em pistas de corrida, mais nada. // Como grande retórico que era, Abib Justus sabia que toda e qualquer polémica traria dividendos ao seu império, como ele próprio gostava de chamar em privado a este grupo financeiro. A questão de os carros serem vendidos como motores que não permitissem uma velocidade superior a 120 km/h fez furor por todo o Brasil. É impressionante ver como facilmente as pessoas se dividem acerca de coisas que desconhecem e das quais nunca sequer ouviram falar. Um pouco por todos os jornais e redes sociais a discussão rebentou. Dos carros com controlo de cilindrada até à proibição de venda de refrigerantes, que se sabe serem prejudiciais à saúde, ou de alimentos chamados de junk food, foi um salto. A esquerda, a direita, os ecologistas, os vegetarianos e os defensores dos direitos dos animais enchiam páginas e páginas online exigindo que o governo federal tomasse a posição do estado do Paraná, com a diferença de radicalizar a posição de controlo sobre o que nos faz bem, e cada qual com sua razão e interpretação, como é comum por aqui em matéria de política. Não demorou mais de um mês para haver manifestações em Brasília pressionando o governo a proibir a venda de refrigerantes, de bebidas alcoólicas, de “junk food” e até de carne animal. Havia já quem exigisse que Abib Justus tinha o dever de se candidatar à presidência do Brasil, em nome dos brasileiros que estão fartos de hipocrisia. É sabido que os tempos de crise são pródigos em forjar heróis e posturas radicais.»»

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A personagem

Paulo José Miranda, no Hoje Macau (13 Abril 2021)

«O livro começa assim: «Deus não fez o mundo em dois dias, mas também não levou uma vida toda, costumava dizer Abib Justus, agora preso no trânsito, precisamente na esquina da Augusta com a Paulista, na direcção dos Jardins. Fala através do celular, quase aos gritos “O vinho ainda não chegou? E estão esperando o quê, que eu chegue aí para tratar disso? Vamos começar a servir o jantar em uma hora e você me telefona agora para dizer que estamos sem vinho, que ainda não foi entregue? Tenho de ser eu a fazer tudo? Vá na Domus e pegue os vinhos, que eu mesmo vou ligar para lá agora e digo ao Rodrigo quais são… Sim, depois pago… Eu digo isso a ele quando ligar, sim. E vá depressa! Ah, e vá a pé até lá… Depois apanhe um táxi pró restaurante, para evitar o trânsito da Itu… Não posso deixar o restaurante, ninguém faz nada do que deve ser feito!” A última frase já não foi para o empregado, mas para si mesmo. Abriu o Baobá há pouco mais de um ano e tem sido muito mais trabalho do que lucro. Mas está tudo caminhando dentro do previsto, menos as dores de cabeça pela gritante incompetência da mão de obra deste país.»

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