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O segredo do cool

Valério Romão no Hoje Macau (11 Julho 2021)

«As redes sociais vieram redefinir essa noção de ícone que, há apenas duas décadas, pertencia quase exclusivamente à indústria do entretenimento. «Cool» era ser parecido com uma estrela de cinema ou da música, vestir-se como eles, fumar como eles, viver no limite do perigo e com um pé na decadência, se possível, como eles. «Cool» era uma daquelas propriedades subtis, difíceis de precisar de um ponto vista objectivo mas absolutamente evidentes ao contacto. «Cool» era qualquer coisa que os outros tinham e que nós, o resto, se esforçava por copiar ou a passar a vida fingindo não se lhe dar qualquer importância. «Cool» tinha um rosto. Melhor: tinha alguns rostos. Era uma espécie de caleidoscópio que o tempo girava para, como na frase do romance de Tomaso di Lampedusa: «tudo mudar para tudo ficar como estava».

Como muita coisa desde o advento da Internet e das redes sociais, o «cool» democratizou-se. Deixou de pertencer com exclusividade aos actores e cantores deste mundo (apesar do finca-pé que estes fazem na tentativa de segurar o manto do rei que se afastando) e começou a aparecer um pouco por toda a parte. Os «influencers», palavra que me custa tanto a dizer como a grafar tornaram-se um porta-estandarte do «cool» contemporâneo. Através das suas publicações, sobretudo no Instagram, cativam a atenção de milhões de pessoas que, embasbacadas em frente aos ecrãs dos seus telemóveis, sonham com passar férias onde aquela foto foi tirada, sonham com ter aqueles lábios, aquelas sobrancelhas (um dos maiores e para mim mais incompreensíveis fenómenos do «cool» dos últimos anos: a estética da sobrancelha), aquele corpo. «Cool» é, em grande parte, sonhar. Sonhar com poder, com a forma de poder mais imediata que existe, que é aquela que radica na beleza: o poder que se tem só por se aparecer. Ser «cool» é ganhar mesmo antes de o jogo começar, apenas por comparência.»

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