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Da Certeza

Valério Romão, no Hoje Macau (26 Março 2021)

«O que não se percebe de todo é a razão pela qual uma panóplia de criaturas descendentes do bas-fond das ideias dos anos setenta (os newagers encravados entre o regresso de uma Índia em regime de pousada na praia e a incapacidade de dissiparem os efeitos do excesso de drogaria psicadélica consumida) se convence de que o amor (em forma de apego indespedível, como enunciado) que sentem por determinada tolice converte automaticamente essa tolice em algo com valor epistemológico. Não, o tarô não tem qualquer valor de verdade; a homeopatia não é uma alternativa à medicina (o que esta pandemia demonstrou amplamente, para quem ainda tinha dúvidas); os cristais são apenas composições da natureza e não portais para qualquer tipo de realidade vibrando ao lado da nossa; o teu interesse por medicina tradicional chinesa não te converte em médico de porra nenhuma – quando estiveres doente a sério nada do que estudaste te ajudará; não há conspiração 5G para te infectar o cérebro com o que quer que seja – para além de já toda a gente que quer saber por onde e o que fazes o saber, por conta do telemóvel através do qual lutas todos os dias contra o capitalismo e a opressão – ninguém quer saber do teu cérebro ou de ti. És apenas um átomo na constelação de big data através da qual o marketing poderá caminhar uns degraus em direcção ao panteão das ciências exactas. Não és especial. Quase ninguém o é. Respira e abre mão das tolices em que encontraste refúgio ou, pelo menos, admite a sua natureza epistemológica: no melhor dos casos, são apenas um jogo onde te distrais e vais aliviando o peso dos dias. Não curam ninguém, nunca o fizeram. Deixa-te de merdas.»

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Ciclo «O que é a filosofia?»

António de Castro Caeiro em ciclo do Centro Cultural de Belém (2020)

Não há ninguém que não tenha uma «filosofia» e acha-a tão pessoal que a designa «a minha filosofia». Há também quem despreze a filosofia e ache que a filosofia é para «líricos», para pessoas que vivem noutro mundo. Quem pensa assim são pessoas de ação que acham que a filosofia nada tem que ver com a vida. Há também a definição romântica de que todos já ouvimos falar: a filosofia é a amizade pelo saber.
Neste conjunto de opiniões, a positiva, segundo a qual toda a gente tem uma filosofia, a negativa, segundo a qual a filosofia é uma perda de tempo e, finalmente, a romântica, segundo a qual a a filosofia é a procura amiga pelo saber; há já teses filosóficas, interpretações, atitudes, mentalidades, modos de ser.
O que pretendemos fazer é a pergunta «O que é a filosofia?» a alguns protagonistas da história da filosofia. O que com eles faremos é a própria pergunta. Uma boa pergunta, antecipamos já, põe-nos na direção de uma boa resposta. A resposta está em tensão com a pergunta. Uma não existe sem a outra, como veremos. Não pretendemos fazer história, muito menos pôr à prova qualquer tese evolucionista segundo a qual a última versão do que quer que seja é a melhor, a mais adaptada, a que sobreviveu.
A filosofia é uma atividade. Não se tem uma filosofia. Faz-se filosofia, como quando se põe em prática uma possibilidade adquirida. A filosofia é uma possibilidade. E aqui começa já um problema antigo. Não é a possibilidade menos do que a realidade? Não é o possível só uma miragem, uma ilusão? Ou será exatamente o contrário, do ponto de vista humano? Não é o sonho como dizia Valéry que nos distingue dos animais?
A filosofia é uma atividade que procura descobrir a verdade sobre «as coisas», sobre «si próprio», sobre «os outros», sobre «tudo». Os antigos chamavam ao tudo a «vida», «ser». A filosofia de algum modo é a atividade que se preocupa com a descoberta da verdade sobre o ser, o ser que é todas as coisas, o mundo, os outros, eu próprio. Mas é a própria vida a ser que também se revela a nós e nos deixa de quando em vez saber como é que ela é.

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