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Conto de natal por ser Maio

Luís Carmelo no Hoje Macau (27 Maio 2021)

«Há lagos com cisnes e choupos à volta que são mulheres, mas só ela abandonou o filho num presépio natural. Lagos que levantam reflexos para esquecer a escuridão, lagos que inventam mapas volúveis para aprender a falar. De cada vez que lá passava, a mulher transformava-se numa ramagem e, vista de cima, caberia ao longo pescoço do cisne pensar o significado dessa ramagem.
Um menino igual a Jesus sai do saco e faz-se gente. Ele sabe que as grandes mansardas foram concebidas para os sótãos que se perfilam no topo das cidades. É num desses torreões que a mulher vive, já que o seu ofício passa por esquecer a terra e as suas armadorias desconhecidas. Só ela sabe quantas são as escritas, as quilhas e também os mastros enterrados no fundo da duração.
Ela ama Botticelli por causa dos cabelos de Vénus. Ama com a língua todas as outras mulheres. A luz é o defeito da grande noite que precede o nascimento, mesmo o de Vénus por ter escolhido a concha para desafiar a obscuridade. Jesus é um bebé abandonado que cisma com hortências a falar em voz baixa.
O bebé, depois rapaz e depois homem vê deus nas duas hortências que se debatem com aquele verde das pequenas vagas. Na realidade vê deus no seu próprio bosque, um deus selvagem que lhe levanta a cegueira na direcção de algumas das madressilvas menos acessíveis à mão.
Nos dias em que não regressa a casa, a mulher entrega-se a imersões profundas e prolongadas com breves aparições à superfície para respirar. E arrepende-se fortemente. Transforma-se então numa mariposa como se o movimento ondulatório dos golfinhos fosse o seu. Por vezes, quando coloca o pé num dos extremos desse percurso, grita. Um grito que dá a ouvir o mais claro batimento do mundo.»

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