Teresa Sousa de Almeida lê «O Plantador de abóboras», de Luís Cardoso (JL, 10 Fevereiro 2021)
Luís Cardoso
Entre a desilusão e a redenção
Entrevista de Luís Cardoso a Luís Ricardo Duarte tendo por pretexto a edição de «O plantador de abóboras» (JL, 10 Fevereiro 2021)
Ana Vargas lê «O plantador de abóboras», de Luís Cardoso
Ana Vargas lê «O plantador de abóboras», de Luís Cardoso (Clube de leituras, 1 Fevereiro 2021)
«N’O Plantador de Abóboras está a história de Timor-Leste, do último século: a revolta do Manufahi, o colonialismo português, a invasão japonesa, as colunas negras, a invasão indonésia e, por fim, a independência. E estão também as suas tradições e crenças, o crocodilo, os galos, o café, algumas palavras em tétum. E está, parece-me, uma declaração de amor àquele novíssimo país à mistura com a descrença ou desilusão quanto à sua elite:
“Que pelo facto de teres participado na luta de libertação não te concede nenhum privilégio especial de esbanjar o dinheiro do Fundo Petrolífero”.
Em formato de poesia e com o ritmo de uma sinfonia, é também um apelo à memória porque como diz “O passado é um lugar estranho quando se sai dele como se nunca lá se tivesse entrado.”»
Novo romance do escritor timorense Luís Cardoso é um longo poema com abóboras
Redação, 24 jan 2021 (Lusa) – Num mundo que “pode ser uma abóbora”, em que se colhe o que se semeia e planta, o escritor timorense Luís Cardoso escreveu um novo romance que é “um longo poema”, inspirado numa mulher que falava com as montanhas.
“O plantador de abóboras (sonata para uma neblina)”, publicado pela “Abysmo”, é o sexto romance de Luís Cardoso que o recoloca em Timor-Leste depois do referendo que ditou a independência.
“Visitei Maubisse, um local belíssimo no meio de montanhas, e fui ver a antiga pousada que ainda estava degradada. Um sítio bonito para que, olhando para fora, pudéssemos também olhar para dentro”, contou à agência Lusa.
O escritor foi surpreendido por uma voz de mulher vinda do meio das ruínas, que cantarolava.
“Depois apareceu de corpo inteiro. Falou para as montanhas. Contou a sua história pessoal, do que lhe fizeram e das pessoas da sua família que foram mortas durante a ocupação. Foi um longo solilóquio que durou mais ou menos três horas. Apesar de nunca me ter dirigido a palavra e olhar para mim, eu era o destinatário daquilo que contava. Prometi a mim mesmo que um dia havia de escrever um romance que fosse um longo poema, inspirado na voz desta mulher”.
O romance chegou e ao longo de 180 páginas o seu autor escreve sobre um mundo que “pode ser como uma abóbora”.
“Colhemos o que semeamos e plantamos. Teremos sempre a abóbora que quisermos. Em Timor comemos a abóbora inteira. Os rebentos, as flores e os frutos. Quando estamos fartos de algo dizemos ‘Vou plantar abóboras!’. Fazer algo de útil. A abóbora é a parte visível do nosso esforço, daquilo que podemos semear e colher”, disse.
Mais uma vez, Timor é o cenário para as palavras escritas de Luís Cardoso. “A escrita é a minha forma de intervenção cívica como cidadão do meu país”, afirmou.
O escritor gostava que se incentivasse a leitura nas escolas, ao mesmo tempo que se aprende a escrever.
“Timor é um país recente. É o mais jovem dos países lusófonos. Está tudo em construção. Apesar de ter uma literatura oral bastante rica e antiga, a literatura escrita é bastante recente e não tem o peso que assume nos restantes países lusófonos”, referiu.
E recordou: “Quando escrevi o meu primeiro livro ‘Crónica de uma travessia’, fi-lo com vontade de contar uma história timorense. Como a crítica literária foi tão boa, encorajou-me a continuar. O livro foi traduzido para várias línguas, como inglês, alemão, italiano, holandês, francês e sueco.
Sobre o seu terceiro livro (“A última morte do coronel Santiago”), o jornal sueco Aftonbladet escreveu que Luís Cardoso é um dos grandes escritores da atualidade.
“Foi para mim motivo de orgulho e um grande incentivo para, juntamente com outros escritores do meu país, construir a literatura timorense”, afirmou.
Sobre as escolhas que tem feito ao longo do seu percurso, Luís Cardoso indicou que a sua língua materna é o tétum, tal como todo o seu imaginário.
“Só aprendi a falar e a escrever em língua portuguesa na escola primária. Quando decidi escrever romances podia escolher entre a língua portuguesa e o tétum. Escolhi a língua portuguesa. A escolha que faço é tentar trazer para a língua portuguesa todo o imaginário e sonoridade da língua tétum”.
Em relação a Timor-Leste, o mais jovem dos países lusófonos”, Luís Cardoso considera que, também por isso, “está tudo em construção”.
E recorre aos três D (Democratizar, Descolonizar, Desenvolver) que “caracterizaram o processo revolucionário português saído do 25 de Abril” para explicar o que se passa em Timor.
“Creio que se cumpriu o D da descolonização. Foi um processo longo e tormentoso, mas hoje Timor-Leste é um país soberano. Creio que é um país democrático apesar das vulnerabilidades próprias de quem aprende a viver segundo regras diferentes do tempo da ocupação e da resistência. O petróleo permitiu o D do desenvolvimento de infraestruturas e aquisição de bens, mas acentuou cada vez mais as diferenças entre os ricos, cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres”, sustentou.
Em tempos de pandemia, Luís Cardoso considera que esta trouxe o melhor e o pior”: “Pelo melhor, o sentimento de solidariedade e a união e partilha dos cientistas de todo o mundo nos esforços para o combate ao vírus”.
“Pelo pior, o acentuar das assimetrias existentes. Os mais desfavorecidos acabam por ser os mais atingidos”, disse, complementando: “Os níveis de desemprego aumentaram mais para os grupos com menores qualificações e baixos rendimentos, os que já viviam com dificuldades viram, em grande parte, a sua situação deteriorar-se ainda mais e há ainda a dualidade entre os países pobres e países ricos no acesso aos cuidados de saúde e no acesso aos bens essenciais que permitem um indivíduo viver com dignidade”.
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