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“Escravos” do petróleo, timorenses deviam “aproveitar proveitos para investir” na educação

Luís Cardoso em entrevista a Maria João Costa (Ensaio Geral/RR 26 Fevereiro 2021)

«O escritor timorense, lançou um livro que conta a História de Timor-Leste, das sucessivas ocupações e onde fala da “desilusão” de como o território se tornou refém do petróleo. Timor não soube aproveitar a “riqueza para incentivar a educação, a saúde e a agricultura para desenvolver o país”.
“Não podemos passar toda a vida a recriminar o colonialismo e as ocupações por aquilo que se passa neste momento em Timor”, diz Luís Cardoso. O escritor timorense que vive em Portugal lança agora o romance “O Plantador de Abóboras”, pela Abysmo. É um livro que conta, “em três andamentos”, a História de Timor-Leste e das sucessivas ocupações.
Cardoso diz que os timorenses são hoje “escravos” do petróleo que está nas mãos dos australianos. O autor, que denuncia a corrupção, diz que “tem faltado” ao Estado timorense “vontade política” para usar os proveitos do petróleo para investir na educação e criar quadros que faltam em Timor.
Nesta entrevista ao programa Ensaio Geral, da Renascença, Luís Cardoso explica como nasceu este livro, que é, nas suas palavras, “um grande poema timorense”.

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Paulo Serra lê «O Plantador de abóboras»

Paulo Serra«O Plantador de abóboras», de Luís Cardoso (Postal do Algarve, 20 Fevereiro 2021)

«Luís Cardoso é um dos raros autores que tem Timor como berço e a sua profícua obra centra-se em temas como a memória, a identidade, a História. Todos os seus livros se interligam, inclusivamente, ora com referências explícitas ao autor e aos outros títulos, ora por episódios ou motivos que vão ressurgindo. Esta intertextualidade homoautoral, onde confluem ainda diversas outras referências exteriores à sua obra, serve como comprovação da existência de um mundo ficcional muito próprio, atestando a criação de um imaginário que efabula e recria toda uma geografia da alma. Quando lemos a sua obra e sobre a sua obra, fica aliás a sensação que partiu de Timor para começar a escrever sobre Timor. Nalgumas das suas obras, não se refere contudo ao cenário como sendo Timor. Em O Plantador de Abóboras, designa-se o reino de Manu-mutin (que podemos tomar como um local imaginário ou como sendo Manatuto) escondido algures no interior do país: «Uma terra oculta como tantas outras que foram descobertas.» (p. 95)
O autor recorre constantemente a expressões e palavras do tétum, língua oficial timorense a par do português. Por exemplo, quando se refere malae-mutin para designar o europeu, e malae-metanque significa africano. A polifonia linguística está aliás presente noutros escritos do autor, como o seu conto Cáspita, onde se explica como o narrador cresce rodeado de várias línguas: o laclei, o mambae, o tétum, e por fim o latim… Em O Plantador de Abóboras, a narradora fala-nos da sua pronúncia que descreve como uma «estranha mistura» entre «mambae, tétum, português e o grasnar de um ganso» (p. 150). Na sua prosa, Luís Cardoso brinca constantemente com as palavras, reflectindo sobre elas, como acontece quando a narradora brinca com o uso do verbo escrutinar. Usa ainda refrões que marcam uma cadência muito própria no romance (e que recordam a escrita de António Lobo Antunes). A própria estrutura do romance é circular, feita de recorrências, repetições, avanços e recuos.
É muito curiosa, e um dos aspectos mais fortes da sua obra, a forma como o autor se desdobra nos seus escritos em narrador ou em personagem. Nesta obra, especificamente, a narradora é uma mulher (como já acontecia em Olhos de Coruja, Olhos de Gato Bravo). E mais perto do final percebemos que o narratário é um jovem seminarista que tencionava estudar Agronomia em Portugal, sonho esse interrompido pela guerra.
A intertextualidade está presente ao longo do livro, como aliás acontece frequentemente na sua obra. Se, por um lado, o próprio subtítulo do livro é Sonata para uma neblina, por outro lado, a sua estrutura tripartida (do Primeiro ao Terceiro Andamento) apontam para uma sinfonia. Da literatura à música (por exemplo, com a música Que sera, serana voz de Doris Day), encontramos diversos ecos da comprovação da existência de todo um mundo alternativo e paralelo ao mundo empírico, o da arte. Mas é a primeira vez que num livro do autor se incorre na pintura, pois a nossa protagonista e narradora pinta. Ainda mais num diálogo surpreendente com a belíssima capa e as ilustrações a cores de Ana Jacinto Nunes, que tanto enriquecem este livro.
Ainda a propósito da intertextualidade temos a forte presença do Dom Quixote, citado em várias passagens no original castelhano. O narratário, que se faz acompanhar permanentemente desse livro, é aliás apelidado de Sancho Pança pela narradora: «Faltava-lhe o arrojo e a loucura de Don Quijote» (p. 153).»

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Novo romance do escritor timorense Luís Cardoso é um longo poema com abóboras

Redação, 24 jan 2021 (Lusa) – Num mundo que “pode ser uma abóbora”, em que se colhe o que se semeia e planta, o escritor timorense Luís Cardoso escreveu um novo romance que é “um longo poema”, inspirado numa mulher que falava com as montanhas.
“O plantador de abóboras (sonata para uma neblina)”, publicado pela “Abysmo”, é o sexto romance de Luís Cardoso que o recoloca em Timor-Leste depois do referendo que ditou a independência.
“Visitei Maubisse, um local belíssimo no meio de montanhas, e fui ver a antiga pousada que ainda estava degradada. Um sítio bonito para que, olhando para fora, pudéssemos também olhar para dentro”, contou à agência Lusa.
O escritor foi surpreendido por uma voz de mulher vinda do meio das ruínas, que cantarolava.
“Depois apareceu de corpo inteiro. Falou para as montanhas. Contou a sua história pessoal, do que lhe fizeram e das pessoas da sua família que foram mortas durante a ocupação. Foi um longo solilóquio que durou mais ou menos três horas. Apesar de nunca me ter dirigido a palavra e olhar para mim, eu era o destinatário daquilo que contava. Prometi a mim mesmo que um dia havia de escrever um romance que fosse um longo poema, inspirado na voz desta mulher”.
O romance chegou e ao longo de 180 páginas o seu autor escreve sobre um mundo que “pode ser como uma abóbora”.
“Colhemos o que semeamos e plantamos. Teremos sempre a abóbora que quisermos. Em Timor comemos a abóbora inteira. Os rebentos, as flores e os frutos. Quando estamos fartos de algo dizemos ‘Vou plantar abóboras!’. Fazer algo de útil. A abóbora é a parte visível do nosso esforço, daquilo que podemos semear e colher”, disse.
Mais uma vez, Timor é o cenário para as palavras escritas de Luís Cardoso. “A escrita é a minha forma de intervenção cívica como cidadão do meu país”, afirmou.
O escritor gostava que se incentivasse a leitura nas escolas, ao mesmo tempo que se aprende a escrever.
“Timor é um país recente. É o mais jovem dos países lusófonos. Está tudo em construção. Apesar de ter uma literatura oral bastante rica e antiga, a literatura escrita é bastante recente e não tem o peso que assume nos restantes países lusófonos”, referiu.
E recordou: “Quando escrevi o meu primeiro livro ‘Crónica de uma travessia’, fi-lo com vontade de contar uma história timorense. Como a crítica literária foi tão boa, encorajou-me a continuar. O livro foi traduzido para várias línguas, como inglês, alemão, italiano, holandês, francês e sueco.
Sobre o seu terceiro livro (“A última morte do coronel Santiago”), o jornal sueco Aftonbladet escreveu que Luís Cardoso é um dos grandes escritores da atualidade.
“Foi para mim motivo de orgulho e um grande incentivo para, juntamente com outros escritores do meu país, construir a literatura timorense”, afirmou.
Sobre as escolhas que tem feito ao longo do seu percurso, Luís Cardoso indicou que a sua língua materna é o tétum, tal como todo o seu imaginário.
“Só aprendi a falar e a escrever em língua portuguesa na escola primária. Quando decidi escrever romances podia escolher entre a língua portuguesa e o tétum. Escolhi a língua portuguesa. A escolha que faço é tentar trazer para a língua portuguesa todo o imaginário e sonoridade da língua tétum”.
Em relação a Timor-Leste, o mais jovem dos países lusófonos”, Luís Cardoso considera que, também por isso, “está tudo em construção”.
E recorre aos três D (Democratizar, Descolonizar, Desenvolver) que “caracterizaram o processo revolucionário português saído do 25 de Abril” para explicar o que se passa em Timor.
“Creio que se cumpriu o D da descolonização. Foi um processo longo e tormentoso, mas hoje Timor-Leste é um país soberano. Creio que é um país democrático apesar das vulnerabilidades próprias de quem aprende a viver segundo regras diferentes do tempo da ocupação e da resistência. O petróleo permitiu o D do desenvolvimento de infraestruturas e aquisição de bens, mas acentuou cada vez mais as diferenças entre os ricos, cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres”, sustentou.
Em tempos de pandemia, Luís Cardoso considera que esta trouxe o melhor e o pior”: “Pelo melhor, o sentimento de solidariedade e a união e partilha dos cientistas de todo o mundo nos esforços para o combate ao vírus”.
“Pelo pior, o acentuar das assimetrias existentes. Os mais desfavorecidos acabam por ser os mais atingidos”, disse, complementando: “Os níveis de desemprego aumentaram mais para os grupos com menores qualificações e baixos rendimentos, os que já viviam com dificuldades viram, em grande parte, a sua situação deteriorar-se ainda mais e há ainda a dualidade entre os países pobres e países ricos no acesso aos cuidados de saúde e no acesso aos bens essenciais que permitem um indivíduo viver com dignidade”.

SMM // JH

Lusa/Fim

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