Publicado em

É assim!

João Paulo Cotrim no Hoje Macau (16 Junho 2021)

«Horta Seca, Lisboa, quinta, 3 Julho

A gentileza do Andrea [Ragusa] da Valeria [Tocco] não impediu que me sentisse corpo estranho na evocação dos 150 anos das Conferências do Casino, «Uma aurora à qual não se seguiu dia», distribuída por dois ciclos, este agora e aquele que se seguirá em Outubro. Os convidados são ilustríssimos cultores das Letras, especialistas em Antero e outros visionários, apresentando-se este vosso criado na qualidade híbrida de personagem de banda desenhada e leitor difuso. Com as devidas distâncias e dissemelhanças, um pouco à maneira de Rafael Bordalo Pinheiro, que se fez convidado para aquele plural a que não pertencia até o ter desenhado: «nós tivemos uma visão redentora e de endereita» (assim com ligeiríssimo erro). Falo da extraordinária 7.ª Página «d’um Album humorístico, ao correr do lápis», extraordinário todo ele, momento fundador da narrativa gráfica nacional, logo nas primeiras entregas e com extrema inventividade. O jovem comentador começa como que exclamando no modo de hoje, irritante por se querer definitivo: É assim! Isto é, dá-se logo a dizer, pois desenha-se de punhos na mesa, enfrentando o leitor com um Senhores: a que se segue na linha do desenho dois pontos. Adiante colocará cena entre parêntesis e tratará de pôr, em imagem indelével, um historiador crítico a arrastar gigantescos pontos de interrogação e exclamação, objectos pesados e ao mesmo tempo sustentados no ar. Para o jovem artista, em 1870, a narrativa gráfica era óbvia continuação do texto e o seu comentário, entre o professoral e o humorístico, fixou como poucos o momento das Conferências Democráticas, as que, mesmo interrompidas, não mais deixariam de nos atormentar com o retrato da «purulenta e burguesa physionomia do paiz». Questões volúveis e pesadas. Com as devidas distâncias e dissemelhanças, ainda nos podemos rever nas avaliações daqueles oftalmologistas da civilização que se propunham, apesar da ordem, curar a cegueira com a liberdade. Foi com prazer que regressei a tais páginas e momentos, que estão disponíveis em edições da Biblioteca Nacional. Ao subir para est’A Berlinda, Rafael dava enorme impulso à sua viagem vertiginosa de performer (avant la lettre) definindo programa, temas, estilo e personagens, grupo variado em cujo centro brilhará sempre ele mesmo, em auto-retrato de corpo inteiro. Senhores: jogando-se.»

Share
Publicado em

Estremece o vento. Sobe a manhã. O calor abre.

João Paulo Cotrim no Hoje Macau (5 Maio 2021)

«Podia bem ter ido apenas pelo lugar, melhor, pelo encontro ali que há muito se adiava, mas havia razão prática: a capa para a «Ode Marítimu», versão em cabo-verdiano da brutal engenharia e celebração dos mares e portos em nós segundo Álvaro & Pessoa, ilimitado (algures na página). E no processo desencadeado me reconcilio com o papel do editor. Ignorante do seu lado cabo-verdiano, acabei despertando um entusiasmo que já partiu nas mais diversas direcções, dando nó na rosa dos ventos. Está a acontecer o reencontro do Francisco com uma das suas línguas. Partiu do texto agora reescrito pelo José Luiz [Tavares] para uma narrativa gráfica que mastiga as paisagens daquelas ilhas por junto a de uma cidade mulata. (Pode ainda dizer-te mulata sem despertar os ogres da correcção automática?) Foi-me dado ainda ver partes do processo, o modo como a feitiçaria faz a ligação entre o concreto do mundo com a prática do desenho. A pintura redefine assim os dias, nada se se pôr à parte. Por aqui não nascem museus.
Na pressa vertiginosa habitual, estava a receber as últimas correcções do poetradutor, que insistia, a cada uma, em explicar-me as razões e as raízes, quês e porquês. Exemplo seja a importância do «n», onde se esconde o eu daquela língua, ainda para mais em sonoridade escorregadia que pede ginástica da língua-orgão, para que possa acontecer a língua-sentido. O José Luiz, não sei se o disse já a propósito de Camões, vai conduzindo a nova língua para mares infindos e abissais. Contra tudo e alguns, os que insistem pouco inocentemente em chamar-lhe crioulo. «Como quase vítima de glotofagia, usuário e estudioso», diz ele, «sei bem o que está subjacente à designação ainda que se não tenha a consciência: O crioulo de Cabo Verde, língua natural dos cabo-verdianos nascidos em Cabo Verde e língua de herança de parte da grande diáspora designa-se cabo-verdiano ou língua cabo-verdiana. Crioulos todos são, como a língua românica de Portugal é um crioulo do latim. Crioulo de Cabo Verde, designa apenas uma família de língua, assim como a língua românica de Portugal também indica uma família de língua.”»

Share
Publicado em

Rita Taborda Duarte no podcast «Louco Como Eu»

Susana Moreira Marques conversa com Rita Taborda Duarte (11 Abril 2021)

Joyce Carol Oates disse uma vez que quando os escritores perguntam uns aos outros a que horas começam a escrever ou quanto tempo levam a almoçar estão realmente a querer saber: é ele tão louco como eu?

Escritores desvendam o seu processo criativo e confessam o que gostariam de perguntar a outros autores. Conversas de loucos que acreditam, contra tantas evidências, que passar horas e horas em redor de palavras é tão útil que pode mudar o mundo.

Share
Publicado em

«As Orelhas de Karenin» entre os finalistas do Prémio Correntes d’Escritas

Maria João Costa, na Rádio Renascença (17 Fevereiro 2021)

Revelados os finalistas do Prémio Correntes d’Escritas, que incluem «As Orelhas de Karenin», de Rita Taborda Duarte

«Esta quarta-feira foram revelados os 11 finalistas ao Prémio Literário Casino da Póvoa no valor de 20 mil euros. O nome do vencedor será conhecido no decorrer do festival que este ano acontece dias 26 e 27 de fevereiro, num formato condensado, através da internet.
A concurso estiveram 70 livros de poesia. O júri, constituído pelo poeta Daniel Jonas, os escritores Inês Pedrosa e José António Gomes, o jornalista Luís Caetano e a artista plástica e autora Marta Bernardes deu a conhecer as suas escolhas. »

Share
Publicado em

Faz-me um desenho

Crítica de Paulo José Miranda a «As orelhas de Karenin», de Rita Taborda Duarte (Colóquio-Letras 206 Janeiro 2021)

«As orelhas de Karenin» é um livro que, antes de mais, nos faz questionar o modo como apreendemos a leitura. O que é ler? O que é pensar aquilo que se lê? A poesia e o desenho são o veículo para estas reflexões e para uma proposta original de leitura. Como reflexo da leitura, aparece a vida. Do mesmo modo que lemos, vivemos. Seguros de que acompanhamos a cada passo o que está a ser descrito, o que está a ser vivido ou já foi vivido. O título remete-nos desde logo para duas linhas fundamentais do livro, através do qual tudo se passa: o enigma e a tradição. {…] Quanto à tradição, ela é antes de mais a tradição da linguagem, não so através do contínuo diálogo de citações. mas também da inovação dos autores – de Herberto a Nabokov, do livro de Job a Sérgio Leone e a Morris e Goscinny – e fundamentalmente a invocação dos mitos e das personagens clássicas. Estes, mais do que a invocação, são parte do corpo do livro. Melhor seria dizer que os mitos e as personagens clássicas são o húmus do livro.»

Share