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Prova de vida

João Paulo Cotrim, no Hoje Macau (17 Março 2021)

Na discussão ininterrupta entre o peso e a leveza, a cadeira parece-me um dos mais notáveis argumentos. Assim como o bater de asas do colibri, só o debate nos sustenta. Dir-me-ão que a posição de lótus fará bem a ligação entre terra e céu, mas não encontro nisso construção. Não existimos sem extensões do corpo e a cadeira dá-nos um chão que ir permite ir longe mantendo raízes. O automóvel foi construído para definirmos bem sentados a paisagem. A casa é uma garagem de cadeiras. Sento-me na primeira fila para ver o espectáculo imersivo da meia idade. Sem querer, elefante, salto de nenúfar em nenúfar.

«As ruas que descem são perigosas. Nada de mais, apenas inclinação. Os montes subidos também continham a sua dose de risco, cenário exacto para o Castelo. Sustenha-se a respiração. Uma navalha esculpia na terra como uma tatuagem aquele exemplo de clássica arquitectura militar. A conquista havia tinha que se rasgar com percursos unidos pelas armas que se espetadas na terra. Contavam apenas as que ficavam hirtas e vibrantes. Grande aventura, ter uma navalha na mão no meio dos montes para a atirar com força e gritos. Os gritos são indispensáveis. Nem tínhamos que jogar bruto, mas aí aliviava bastante. Contra um árbitro, que segurava a cabeça do primeiro e por isso se chamava mãe, um grupo enfileirava-se de costas dobradas, cabeça debaixo das pernas do da frente, enquanto o outro grupo saltava de joelhos nas costas. Quem não aguentasse, perdia. Quem não aguenta, perde. Não é diferente fora das histórias: gritar ajuda. Doía mais o círculo dos calduços por causa do silêncio imposto. No meio de uma apertada roda de estátuas proibidas de mostrar os dentes alguém se mexia como doido. Se parasse oferecia a nuca à fortíssima palmada anónima. Se vislumbrasse o autor, caía ele no buraco negro. Não era fácil trocar de abismo.»
Desportos radicais, A história devida, programa Antena 1

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