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Folio 2021: num lugar entre a matemática, as ervas e a literatura, nasceu um ângulo raso

Pedro Miguel Silva à hora certa no lugar exacto, no Folio (Deus me Livro, 29 Outubro 2021)

José Manuel dos Santos, que se tornou amigo de Fernanda Botelho após ter lido os seus livros, destacou o cuidado com os textos de apresentação destas novas edições, “a fazer lembrar as fichas críticas que a Fernanda escrevia para livros que acabavam por ser comprados para as carrinhas da Gulbenkian”. Escritora que, segundo ele, era dotada de uma “inteligência irónica discreta”, bem como um amor familiar pouco vulgar no mundo das letras. Para além da inteligência, da serenidade, da argúcia, de uma ironia inseparável da curiosidade e do conhecimento do mundo, José Manuel dos Santos referiu o seu pouco exibicionismo, algo que terá contribuído para não ter sido uma autora tão falada, apesar de os seus livros terem sido levados em ombros pela maioria da crítica literária da época. “Tinha um flirt com a descrição, e quando se expunha era quase sempre de forma irónica”. Especificamente em relação a “O Ângulo Raso”, diz conter já “todo o futuro da obra dela”, mantendo a sua actualidade mais de setenta anos após a sua publicação original.

José Manuel dos Santos trouxe para a conversa a escritora Nathalie Sarraute, que Fernanda Botelho traduziu por altura da escrita de “O Ângulo Raso”, e que tem um livro intitulado “A Era da Suspeita”, que encaixa no cenário português dos anos 1950, quando estavam no ar os primeiros sinais de que a ditadura poderia estar a chegar ao fim. “O tema do vazio da sociedade, dos valores, aparece aí e será constante na obra da Fernanda”, que considera ser uma escritora portuguesa pós-moderna, muito visual e com um olhar cinematográfico, que pôs fim “ao pacto entre o autor, o narrador e as personagens e assumiu a ambiguidade, as estratégias circulares. O direito tem sempre um avesso”. Após falar da ambiguidade de Fernanda Botelho entre o desejo de conservação da memória e o apelo para fazer tábua rasa, brincou ainda com o facto de, na pesquisa googliana, surgirem três Fernandas Botelho – a matemática, a especialista em ervas e a escritora -, podendo cada uma delas ser a mesmq. O tema central, esse, defende ter sido o da liberdade, “não apenas no sentido abstracto e político, mas na forma como a podemos usar para construir relações com os outros”. Sem esquecer o modo como o amor nos pode dar e tirar essa mesma liberdade.

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Abysmo no Folio

Há um Cadáver Esquisito que bebe cerveja, Pedro Miguel Silva (Deus me Livro, 20 Outubro 2021)

Do activismo de Jean Moulin ao fio de Ariadne, Pedro Miguel Silva (Deus me Livro, 18 Outubro 2021)

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Novas recomendações do Plano Nacional de Leitura

Os livros recomendados pelo PNL2027 respeitantes ao 1.º semestre de 2021 já se encontram no Catálogo PNL. As sugestões de leitura incluem, como habitualmente, temas variados e destinam-se a todos os públicos – crianças, jovens e adultos.

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João Rosa Miranda lê Fernanda Botelho

João Rosa Miranda«Gritos da Minha Dança», de Fernanda Botelho (Deusmelivro, 15 Fevereiro 2021)

«As palavras foram as fiéis companheiras da vida de Fernanda Botelho, com as quais ousou “procurar a quadratura do círculo ou a pedra filosofal”. No decurso da sua jornada, a autora encontrou o tesouro do léxico português e um estilo literário singular repleto de jogos de palavras, aliterações e “divertidos pensamentos aforísticos”. Seja o tema a metafísica, a eutanásia ou o Big Show SIC, as palavras da escritora bailam elegantemente sob os holofotes dos textos que compõem “Gritos da Minha Dança”.
Fernanda Botelho definiu o seu derradeiro livro como um conjunto de “reflexões de uma septuagenária ímpia escritas antes de súbita e suspeita morte”. Contudo, esta antologia assume um propósito de maior relevo, pois apresenta a ponderação e lucidez de quem traz ao palco, por uma última vez, uma extraordinária coreografia.»

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